O almanaque de quando plantar "coisas", vê-las crescer e desabrochar na maioridade!

terça-feira, abril 12, 2005

A água!



Tem-se discutido recentemente a proporção real da seca que o país atravessa este ano, revivendo-se uma situação que já havia acontecido há exactamente dez anos atrás, então em 95 quando uma seca extrema assolou o país, com especial incidência para o sempre martirizado Alentejo. O INAG diz que poderá ser a pior seca dos últimos 300 anos, se nos próximos seis meses não chover uma única gota de chuva.

De facto, a seca é um problema que não era vivido neste país vai para 10 anos, o que volta a lançar toda a atenção sobre a problemática da água. Este é aliás um comportamento tipicamente português: apenas se discutem os problemas, quando estes acontecem. Ora, a este nível, não tenhamos dúvidas, o nosso país vive muito bem com a falta de água... até se dá ao luxo de a desperdiçar! Senão vejamos alguns factos interessantes:

- Portugal, per capita, tem duas vezes mais água disponível do que a média europeia;
- o caso especifico da cidade onde vivo e estudo, Évora, cerca de 20% a 30% da água perde-se na rede de distribuição (roturas e mau estado das condutas) - há locais onde estes valores chegam aos 50%;
- Portugal é ainda um país onde a água não tem qualquer valor comercial incentivando o desperdício;
- muitos especialistas consideram que os planos de bacia hidrográfica nacionais, estão mal delineados ou aplicados, visto que muita da água doce que escorre para território nacional vai ter ao oceano (esta é uma questão discutível);
- a contaminação de rios e ribeiras é ainda, uma prática que sai geralmente impune, neste País;
- e por fim, é prática comum em Portugal, o uso e abuso dos aquíferos desregradamente, especialmente por parte de particulares, com todo o tipo de problemas daí decorrentes.

Estes são factos que dão que pensar, especialmente se tivermos em conta que a maioria da população portuguesa tem a noção de que Portugal é um país pobre em água. Não só Portugal não o é, como está bastante acima da média europeia, bem à frente do Reino Unido, Bélgica e restantes países da zona do Benelux, por exemplo - também aqui existe a suposição errada, de que estes países têm maiores reservas de água que Portugal especialmente porque "lá está sempre a chover"... a questão é que topograficamente estes países não têm possibilidades de construir reservatórios de água, sendo totalmente planos.

Assim, e apesar desta crença generalizada de que Portugal é um país "seco" a sociedade lusa continua a ter comportamentos contrários ao conservacionismo hídrico, entrando quase em histeria colectiva com visões catastróficas sempre que existe um periodo prolongado de seca - acontecesse isto em Inglaterra e por esta altura já haveria racionamento de água por aquelas bandas. Não quero com isto, desdramatizar ou minimizar as consequências da seca, mas a verdade é que, mais do que chorar lágrimas de crocodilo, de nada serve se no futuro, continuarmos colados à estática generalizada a que estamos há muito habituados neste país (não só na questão da água, mas a muitos outros níveis). Ou seja:

- a lei quadro da água (decorrente da Directiva comunitária Quadro da Água) em Portugal ainda está no papel (à data deste artigo - 12/04/2005), desde 2000;
- as autarquias são os principais responsáveis pela absoluta vergonha em que se encontram a qualidade da água neste país - os cortes orçamentais visam sempre a área do abastecimento público a cargo das autarquias;
- Ministério do Ambiente e Ministério da Agricultura: um tenta regular, o outro é quem manda na água, e como os interesses costumam chocar, a agricultura leva sempre a melhor, ainda por cima sem órgão regulador;
- ausência de rigor no controlo e tratamento de águas, especialmente as residuais;
- milhões e milhões de euros investidos em estações de tratamento de água, na sua maioria ainda por estrear ou mal projectadas - obras para europeu ver, e é caso para dizer: "venha daí esse subsídio";
- água a preço da chuva (passo a redundância);
- poluidores impunes;
- más práticas agricolas e ausência de estratégias de educação e sensibilização dos agricultores, sendo a agricultura o principal utilizador e poluidor da água;
- ausência de estratégias de educação, formação e sensibilização da sociedade acerca dos problemas dos recursos hídricos;
- minimização da formação superior de técnicos qualificados na área dos recursos hídricos (e eu que o diga);
- etc...

Estes são apenas alguns dos problemas instalados na nossa sociedade que contribuem e muito para uma má gestão da água, e consequentemente para esta celeuma generalizada a que se assiste actualmente, tudo isto tendo em conta que somos um país com poucos problemas globais de falta de água.

A propósito deste assunto, ainda ontem, assisti a uma conferência com o Eng. Pedro Cunha Serra (ex-presidente do INAG) onde se discutiram os mecanismos de uma eficaz gestão dos recursos hídricos. Na realidade, e indo de encontro ao que escrevi anteriormente, Portugal tem água em quantidade, fruto não só da sua localização geográfica e da sua topografia, bem como dos bons resultados dos convénios Luso-Espanhois e de alguns empreendimentos hidráulicos de sucesso. No entanto, quando falamos de água, não podemos apenas falar de quantidade, hoje em dia é tão ou mais importante falar da sua qualidade, até porque, a água não acaba nem começa - existe sob diferentes formas e circula por todo o planeta... a sua qualidade é que pode definir a a quantidade da mesma disponível para a utilização e o consumo humano.

É neste ponto (o da qualidade) que a "porca torce o rabo" (perdoem-me a expressão ainda que não seja, de todo, retirada de contexto, bastando para isso dar uma voltinha pela região de Leiria para observarmos o que as suiniculturas fazem à "nossa água" numa situação de total impunidade). Neste país, este é um parâmetro vergonhosamente desprezado, ao contrário dos países anteriormente focados que são obrigados a reciclar água - para termos uma ideia, os londrinos bebem por ano, o mesmo copo de água cerca de 90 vezes - faltando para isso, quase tudo. Desde técnicos qualificados (não basta o senhor que tem 4ª classe e que sabe despejar uma saca de hidróxido de sódio na água de x em x hora, numa qualquer ETA perto de nós), passando pelo desleixe na condução dos processos de tratamento de água, onde o processo secundário e terciário raramente são aplicados, e acabando (o mais grave de tudo) na total falta de investimento em infra-estruturas e tecnologias de "reciclagem" de água.

Este é um problema, essencialmente político, pois os investimentos costumam ser comunitários, e para além deste dinheiro ser esbanjado ou desaparecer (misteriosamente) ainda levamos com as multas de Bruxelas por incumprimentos das directivas, ao nível por exemplo dos prazos para que todas as ETA's e ETAR's estejam a trabalhar! Neste contexto, o cidadão comum pouco pode fazer a não ser contestar, sendo que no entanto, pode e deve consciencializar-se de que a água é um bem escasso que tem de ser preservado, e a melhor forma do "zé povinho" o fazer é poupar... o resto, bem... o resto daria pano para mangas pois é um problema institucionalizado, com enormes responsabilidades para os governos e para as autarquias.

PS: Bom, hoje estou muito contente pois o meu curso (Engenharia dos Recursos Hídricos), também ele um curso marginalizado ainda para mais que continua a formar técnicos qualificados na área dos recursos hídricos, foi aceite na Ordem dos Engenheiros. Esta é a prova da qualidade do mesmo, tantas vezes minimizada por alguns, dentro da própria "casa" (leia-se Universidade de Évora)

PS2: Depois de um futuro engenheiro dos recursos hídricos (eu), de um futuro engenheiro civil (o pavão) eis que agora temos um novo membro... um futuro biólogo (o nis) Mais um lagartão aqui para o Borda, ainda estamos à espera do lampião! Benvindo grande Nis. Grande Abraço!

Tenham um bom dia!!